(POR) Para Além dos Arranha-Céus: 5 Histórias Secretas Que Redefinem Hong Kong
A história de Tuen Mun é a história de uma "porta" (門) multifacetada. Foi uma porta religiosa, que permitiu a entrada do Budismo em Hong Kong. Foi uma porta de defesa, que protegeu o império. Foi uma porta de resiliência...
Ouça com atenção as fascinantes histórias da história do turismo
Quando pensamos em Hong Kong, a imagem que nos assalta a mente é, quase invariavelmente, a de um horizonte de arranha-céus cintilantes, um centro financeiro global onde a modernidade pulsa a um ritmo frenético. Mas se olharmos para além desta fachada de vidro e aço, encontramos uma história milenar gravada na paisagem, particularmente na região de Tuen Mun (屯門).
Historicamente, esta área era conhecida por um nome mais imponente: "Tōi Mùhn" (臺門), um nome que evocava a sua função primordial: o portão guardado por uma guarnição militar. Longe de ser o fim da linha do metro, Tuen Mun foi, durante séculos, o princípio de tudo — a verdadeira porta de entrada para o Império do Meio.
Neste artigo, vamos desvendar cinco histórias surpreendentes que mostram uma faceta completamente diferente desta cidade cosmopolita, redefinindo o que pensávamos saber sobre Hong Kong.
A Lenda do Monge no Copo: O Berço do Budismo
A história do Budismo em Hong Kong não começa num templo opulento no centro da cidade, mas sim com a chegada de um monge misterioso no século V. Durante a dinastia Liu Song, Pui To (杯渡禪師), um monge com fama de excêntrico e de possuir grandes poderes, era conhecido por viajar sobre a água dentro de um copo de madeira.
A lenda conta que ele chegou a Tuen Mun e fundou o que viria a ser o Mosteiro de Tsing Shan (青山禪院). Este local não é apenas um templo antigo; é um dos três mais antigos de Hong Kong e o berço oficial do Budismo na região.
Mas a verdadeira joia espiritual deste lugar sagrado é a Rocha de Pui To (杯渡岩), também conhecida como a Rocha da Resposta Auspiciosa (瑞應岩), uma gruta onde se diz que o monge viveu e meditou. Ao seu lado, uma inscrição de quatro caracteres, "高山第一" ("A Montanha Suprema"), acrescenta uma camada fascinante à história. A caligrafia é atribuída a Han Yu, um famoso erudito confucionista que era, ironicamente, um forte crítico do Budismo.
Esta aparente contradição é um testemunho fascinante de como as fronteiras do império eram também fronteiras ideológicas, onde as ortodoxias do centro se diluíam, permitindo uma coexistência e fusão cultural impensável na capital. O que isto nos revela é um lugar onde a paisagem transcende o dogma.
Listado como uma das "Oito Vistas de Xin'an", o rasto do "Imortal Pui To" transformou uma fronteira geográfica num poderoso ponto de origem espiritual.

A Chave do Império: Onde a Seda Encontrava o Mar
Durante as dinastias Tang e Song, Tuen Mun era muito mais do que um porto tranquilo. A sua geografia, descrita como "semelhante a um passo de montanha nascido da natureza" (儼如天生關隘), tornava-o uma fortaleza natural. Era aqui que se encontrava a guarnição de defesa costeira ("海防戌卒") que guardava a entrada para o Delta do Rio das Pérolas. Navios estrangeiros vindos da Pérsia, Índia e do Sudeste Asiático, a caminho do grande mercado de Guangzhou, paravam aqui para reabastecer e obter permissão para continuar.
Descobertas arqueológicas, como fornos e cerâmicas em locais como Siu Lam (小欖) e Lung Kwu Tan (龍鼓灘), confirmam que Tuen Mun era um centro dinâmico de produção, defesa e comércio internacional na Rota da Seda Marítima.

A joia escondida desta época já não existe em tijolo e argamassa, mas a sua memória perdura no Mercado Antigo de Tuen Mun (屯門舊墟). O mercado foi demolido na década de 1980, e o seu local histórico é hoje, ironicamente, um parque de estacionamento provisório. No entanto, a sua localização, juntamente com o Templo de Tin Hau nas proximidades e moedas da dinastia Han encontradas na área, conta a história completa da evolução de Tuen Mun de um posto militar crucial, para um centro comercial movimentado, e finalmente para a cidade moderna que é hoje.

Muralhas de Sangue e Clã: A Sabedoria da Sobrevivência
As aldeias muradas (圍村) de Hong Kong são monumentos à resiliência. Em Tuen Mun, aldeias como Lo Wai (老圍) e Tuen Tsz Wai (田子圍) não foram construídas para serem pitorescas, mas sim como fortalezas impenetráveis durante os violentos conflitos entre clãs locais e hakka (土客械鬥).
A sua arquitetura é um manual de "extrema sabedoria de sobrevivência": paredes de tijolo espessas, janelas minúsculas que serviam como seteiras, torres de vigia e poços internos garantiam que as comunidades pudessem resistir a longos cercos. Eram micro-cidades autossuficientes, projetadas para a defesa. A entrada de Lo Wai, a mais antiga destas aldeias, recebe os visitantes com um dístico que reflete este orgulho: "門高迎紫氣圍老得淳風" ("A porta alta acolhe a energia auspiciosa; a muralha antiga preserva os costumes puros").
Mas o segredo mais bem guardado destas fortalezas não está nos seus tijolos, mas sim gravado em madeira na entrada do Salão Ancestral de Tuen Tsz Wai. Um dístico genealógico proclama: "八州世澤,五柳家聲" ("A herança de oito prefeituras, a fama da casa dos cinco salgueiros").
Esta é uma poderosa declaração de identidade, que liga o clã local, os To (陶), a duas figuras lendárias: o general Tao Kan (陶侃), governador de oito prefeituras, e o seu célebre bisneto, o poeta Tao Yuanming (陶淵明). Esta ligação prova que estas comunidades fronteiriças não eram apenas grupos agrícolas isolados, mas sim portadoras da nobre tradição cultural de "cultivar e ler para passar à próxima geração" (耕讀傳家).

O Fogo da Revolução: A Linha da Frente Secreta
No início do século XX, Tuen Mun assumiu um papel inesperado e perigoso: tornou-se uma base secreta para a Revolução Xinhai, que derrubaria a última dinastia imperial da China. Inicialmente, a "Fazenda de Tsing Shan", financiada pelo rico comerciante e apoiante de Sun Yat-sen, Li Jitang (李紀堂), servia de fachada para armazenar armas e treinar revolucionários.
Após o fracasso de uma revolta, a necessidade de um local ainda mais seguro tornou-se premente. Foi então que outro revolucionário, Deng Yinnan (鄧蔭南), estabeleceu uma segunda base de apoio. A joia escondida desta história de intriga é essa base: a Casamata de Ha Pak Nai (下白泥碉堡), hoje um monumento protegido.
A sua arquitetura é puramente funcional: uma estrutura de dois andares com seteiras para armas, projetada para a defesa. A sua localização remota, com vista para a Deep Bay, era perfeita para operações secretas e como rota de fuga rápida por mar. Hoje, Ha Pak Nai é famosa pelo seu pôr do sol deslumbrante, mas esta casamata convida-nos a imaginar um cenário muito diferente: uma linha da frente secreta, onde a beleza serena da paisagem escondia a tensão e o perigo de uma conspiração revolucionária.

A Chama da Resistência: Os Heróis Esquecidos da Guerra
A história militar de Tuen Mun não terminou com o império. Durante a Segunda Guerra Mundial, Lung Kwu Tan (龍鼓灘) tornou-se uma área crucial para a Brigada Hong Kong-Kowloon (港九大隊), a guerrilha que lutou contra a invasão japonesa. Os aldeões locais não foram meros espectadores. Muitos, como Lau Fat-tsai (劉發仔), um dos 115 mártires da brigada, participaram ativamente na resistência, provando que os habitantes de Hong Kong foram participantes corajosos na defesa da sua terra.
A joia escondida que comemora esta bravura é o posto de observação e o memorial de guerra (瞭望台與抗日紀念碑) em Lung Kwu Tan. Do topo do posto, os visitantes têm uma vista panorâmica do antigo campo de batalha marítimo, podendo imaginar as táticas de guerrilha usadas contra um inimigo mais poderoso.
Esta função defensiva demonstra uma notável continuidade histórica, provando que Tuen Mun nunca perdeu a sua identidade essencial como o "portão" (关隘) militar da costa sul. Liga o soldado da guerrilha do século XX ao guarda da fortaleza das dinastias Tang e Song, mostrando que este lugar sempre foi, na sua essência, um guardião da costa.

A Porta para a História de Hong Kong
A história de Tuen Mun é a história de uma "porta" (門) multifacetada. Foi uma porta religiosa, que permitiu a entrada do Budismo em Hong Kong. Foi uma porta de defesa, que protegeu o império. Foi uma porta de resiliência, que abrigou os clãs que se recusaram a ser subjugados. E foi uma porta de liberdade, que deu aos revolucionários uma base para mudar uma nação.
A história desta região prova que, sob a superfície de uma das cidades mais modernas do mundo, existem camadas sobre camadas de história profunda. E isso leva-nos a uma questão final: se uma cidade como Hong Kong esconde milénios de história sob a sua superfície moderna, que outras histórias incríveis estarão à espera de ser descobertas sob o asfalto das cidades onde vivemos?
OBRAS CITADAS:
【港文化港故事】訪尋青山寺參詳杯渡誌- 香港文匯報, accessed October 25, 2025
青山寺歷史起源accessed October 25, 2025, accessed October 25, 2025
屯門近年考古發現印證香港六千年的文化發展, accessed October 25, 2025
香港佛教發源地:青山寺的歷史與文化價值 - 九谷燒, accessed October 25, 2025, 元朗下白泥碉堡, accessed October 25, 2025
老圍 「五圍」中最早建立村落 - 《我家》Homemory, accessed October 25, 2025
青山寺位於屯門,又名青山禪院,是香港三大古寺之一,據考證應為香港佛教發源 - EdUHK, accessed October 25, 2025
香港軍事遺址- Home - 香港海防博物館, accessed October 25, 2025
屯門舊墟- 維基百科,自由的百科全書, accessed October 25, 2025
屯門舊墟- 維基百科,自由的百科全書, accessed October 25, 2025
香港圍村 - 維基百科, accessed October 25, 2025
屯門圍村走, accessed October 25, 2025, 屯門陶族, accessed October 25, 2025
下白泥碉堡 - 維基百科, accessed October 25, 2025
附件A 歷史建築評估位於新界元朗下白泥55 號的碉堡位於元朗下白, accessed October 25, 2025
